A recessão que tende em não “recessar”
Desde o início de 2022 que assistimos a um discurso “de recessão” na gíria dos mercados financeiros. Foram vários os bancos de investimento reconhecidos a afirmar que a economia preparava-se para entrar em recessão no início de 2023, que as taxas de juro galopantes empurrariam as economias desenvolvidas para um período de “arrefecimento forte na produção”. Posteriormente, assistimos a vários colapsos bancários, como o Silicon Valley Bank ou o Credit Suisse, levando os investidores a achar que as fortes correções nos principais índices acionistas mundiais, ainda não tinham terminado e que o pior ainda estava para vir. O resultado foi que o mercado acabou por tremer, mas não desabou. Entretanto 2023 estava a chegar ao fim e os principais índices acionistas voltaram a marcar máximos históricos. A grande maioria questionava, mas como é que os índices acionistas estão em máximos quando a economia global está muito próxima de uma recessão? O resultado é que os índices voltam a marcar novos máximos em Janeiro de 2024. Para entendermos esta reação do mercado temos que olhar para os variados dados e fazer uma interpretação.
Gráfico dos Futuros do S&P500 desde 1992 até ao momento. Fonte:xStation5
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Assumindo que os EUA são a maior economia mundial e o local com maior impacto sobre os mercados financeiros, deveremos dar enfoque nos seus dados macroeconómicos:
Emprego
No que toca ao emprego, os últimos dados de dezembro mostraram mais uma vez que a economia americana continua muito resiliente e que a criação de emprego está forte. A quantidade de pessoas desempregadas para a quantidade de empregos disponíveis, fixou-se nos 0.7 (novembro de 2023), com um total aproximado de 8.8M de vagas. Os números do desemprego mantiveram-se nos 3.7%, estando a economia muito próxima de um nível de pleno emprego. Os pedidos de desemprego semanais continuam a descer abaixo dos 200.000, o que demonstra bem a situação geral do emprego nos EUA.
Inflação
A inflação mostrou uma tendência descendente bastante elevada desde Agosto de 2022 até Julho de 2023, no entanto nestes últimos meses, a mesma tende a não baixar. Neste últimos dados referentes a dezembro, ocorreu uma subida de 3.1% para 3.4% em termos homólogos. Já na comparação mensal a mesma também foi positiva em 0.3% face a novembro de 2023. A inflação adjacente fixou-se nos 3.9%. Os salários de dezembro também mostraram maior crescimento com uma subida de 4.1% Y/Y e numa matéria mensal uma subida de 0.4%. Isto demonstra que o consumo continua alto e que o objetivo da FED em baixar a inflação para os 2% ainda está longe, o que pode implicar que as taxas de juro permaneçam altas por mais tempo do que o desejado.
Evolução da Inflação nos EUA nos últimos 5 anos. Fonte:TradingEconomics, USBLS
A importância da Macroeconomia
Produção
Olhando para os dados da produção da economia mais forte do mundo, vemos que o PIB no 3º trimestre cresceu 4.9% face ao trimestre anterior, que anteriormente tinha saído nos 2.1%. A produção industrial atingiu valores negativos em novembro ficando nos -0.39% em termos homólogos. O PMI dos serviços também mostra abrandamento fixando-se nos 50.6 para o mês de dezembro (em setembro era de 54.5). Nota-se um arrefecimento recente dos indicadores macroeconómicos na matéria da produção, o que pode levar a um dado mais fraco no PIB para o 4º trimestre. A previsão é para que o PIB anualizado se fixe nos 2%.
Gastos pessoais
O consumo das famílias no 3º trimestre de 2023 cresceu 3.1% T/T, no 2º trimestre o crescimento tinha sido de 0.8%. O sentimento do consumidor também subiu em dezembro para os 69.7. O crédito ao consumo teve um disparo brutal passando de um aumento de 5.78 mil milhões em outubro para 23.75 mil milhões em novembro. As vendas a retalho subiram no mês de dezembro 0.6%, o que foi um aumento bastante grande face ao esperado.
Resultados das empresas
Até agora ainda não tivemos a apresentação dos resultados da maior parte das empresas referentes ao 4 trimestre de 2023, ainda assim, o mercado está bastante otimista e está a descontar já no preço essa mesma expectativa, principalmente para as empresas tecnológicas. Neste momento, ainda só temos os relatórios de 10% das empresas que fazem parte do S&P500, até agora 62% apresentaram resultados melhores do que os esperados em termos de EPS.
Taxas de Juro
Depois da escalada agressiva das taxas de juro, o mercado começa a descontar as possíveis reduções ao longo do ano de 2024. Weller da FED referia nos seus comentários que não esperava cortes na taxa de juro antes de junho de 2024 e que a FED só deveria fazer 4 cortes até ao final do ano. Já Goolsbee da FED referiu que caso a inflação não fique controlada, as taxas de juro ainda poderão subir, que a dependência dos novos dados é crucial e que o mercado imobiliário ainda continua a ser uma preocupação. Já os investidores esperam com 50% probabilidade que o primeiro corte aconteça em março de 2024, o que é bastante questionável dada a pujança da economia norte-americana, esta probabilidade há 2 semanas era mais de 75%.
No que toca à economia da Zona Euro (ZE)
Os dados macroeconómicos continuam a mostrar uma fraqueza na produção industrial, no entanto estes dados têm vindo a melhorar. As exportações na Alemanha subiram 3,7% em novembro comparativamente com outubro. O sentimento do consumidor tem vindo a melhorar, as vendas a retalho também, embora ainda em terrenos negativos. O desemprego voltou a descer na ZE em dezembro para os 6.4%, sendo mais baixo hoje do que em 2019 pré-pandemia. Já na produção na Alemanha, os dados do PIB mostraram uma queda de 0.3% face ao mesmo período do ano anterior, o que é preocupante quando a Alemanha é o motor da economia na Zona Euro.
O que são indicadores macroeconómicos?
China
A economia chinesa mostrou grande fraqueza ao longo de 2023, no entanto, nos últimos meses temos visto melhorias significativas, o que pode apoiar uma recuperação mais controlada. O PIB cresceu 5.2% face ao mesmo período do ano anterior, ainda que abaixo do que era esperado. As vendas a retalho também ficaram aquém das expectativas, mas mesmo assim cresceram 7.4% em termos homólogos em dezembro. As taxas de juro permanecem iguais e espera-se que o governo chines continue a aumentar os estímulos à economia.
Posto isto, conseguimos perceber que não estamos numa era de boom, mas não estamos numa recessão, e a mesma pode mesmo demorar até chegar, ou mesmo não chegar. Portanto deveremos dar enfoque nos ativos com maior potencial, operar com uma boa gestão de risco e se for necessário reduzir a escala temporária dos nossos investimentos. No caso dos mesmos serem para horizontes temporais mais elevados deveremos ter uma abordagem de diversificação com DCA.
Autor: Vítor Madeira, analista XTB